Icon Vadis ao vivo - Outonalidades 2010


15/10/2010 - Águeda (bard'O - Espaço d'Orfeu )
03/12/2010 - Estarreja (Bar CTE - Cine-Teatro de Estarreja)


No comunicado no site da Associação de Futebol de Aveiro pode ler-se "... o que será objecto de orgulho para todos os Aveirenses... ".

Será mesmo um orgulho para todos os Aveirenses?
Será?

A Associação de Futebol de Aveiro candidatou-se à realização do jogo da Super-Taça "Cândido de Oliveira" tendo tido sucesso nos seus intentos e o jogo disputar-se-á no próximo dia 7 de Agosto no Estádio Municipal de Aveiro.

Acontece que os Aveirenses não terão acesso aos respectivos bilhetes sendo que apenas os clubes envolvidos, S. L. e Benfica e F. C. do Porto, os poderão vender e como será normal nestas coisas os sócios terão prioridade.

E assim temos a fantástica proeza de a Associação de Futebol de AVEIRO garantir um jogo de elite no Estádio MUNICIPAL de AVEIRO, que no seu entender será um orgulho para todos os Aveirenses mas os orgulhosos Aveirenses não podem comprar qualquer bilhete.

É notável.

Vem agora, ao que parece, a Associação de Futebol de Aveiro informar (segundo me disseram numa notícia no Diário de Aveiro) que vai pressionar a Federação Portuguesa de Futebol para que os Aveirenses possam assistir ao jogo... agora?
Então não seria normal que um jogo disputado em Aveiro, no estádio Municipal da cidade, os Aveirenses tivessem também acesso à compra dos bilhetes desde o primeiro minuto?

Notável.


7º dia, 8.Abril, quinta-feira

O “chefe”, entenda-se o Rui Guarda, elemento fulcral na organização desta expedição, marcou o pequeno-almoço para mais tarde, oito e meia da manhã. Além de podermos descansar mais um pouco que nos dias anteriores, tivemos algum tempo para ocupar o nosso T1, com uma salinha tipicamente marroquina, sofás ao nível do chão e decoração em cores muito garridas, e para sacudir ténis, sacos de bagagem e demais tralha, toda conspurcada com o fino pó clandestino, no avantajado terraço individual, com uma vista surreal para o deserto.

Depois do habitual exercício de carregamento de todos os haveres, partimos para o centro da cidade de Zagora, a cerca de 40 quilómetros, para efectuar a manutenção dos jipes numa oficina com um historial interessante, a crer nas fotografias e autocolantes que forravam as paredes, adquirido quando o Dakar se realizava por estas bandas. Até na oficina, a uma temperatura de 32 graus, nos ofereceram chá quente, sempre num bule de metal e servido em copos de vidro, num cantinho miserável, mas onde nos podíamos sentar e resguardar do sol e do calor.

Um grupo de crianças aproximou-se e algumas foram tecendo figurinhas, como camelos, entrelaçando tiras de folha de palmeira, para nos oferecerem, “un cadeau”, e nós retribuimos com dirhans ou doces.

Foram executados, em tempo recorde, comprovando o profissionalismo dos mecânicos marroquinos envolvidos, e a baixo custo, trabalhos como o ajuste da pressão dos pneus e mudanças do filtro de ar, dos foles de transmissão e do pneu rebentado no dia anterior, além da colocação de amortecedores novos levados de Portugal.

Enquanto a operação decorria, alguns dos aventureiros foram passear pela cidade e fazer compras ou, simplesmente, sentar-se nas esplanadas mais próximas para tomar uma bebida fresca ou um café e observar o quotidiano dos transeuntes.

Como a manutenção dos jipes ocupou toda a manhã, assim que terminou iniciámos a jornada de 180 quilómetros até Ait-Benhaddou, onde era fundamental chegar de dia para ver a cidade antiga, classificada como património mundial pela Unesco em 1987. Pelo caminho, em estrada asfaltada com muitas curvas e contracurvas, os vales verdes alternavam com as ocres serras estéreis. Atravessámos a cidade de Quarzazate onde se situam o Musée du Cinema e os “CLA Studios” envolvidos em filmes rodados em Marrocos, como “Lawrence da Arábia”, “Gladiador”, “Cleópatra”, “A Múmia”, “Alexandre, o Grande” ou “Babel”. A temperatura atingiu os 35 graus.

Chegámos ao “Complexe Touristique Le Kasbah”, onde iríamos pernoitar, e optámos por um ligeiro almoço volante junto ao hotel, eram dezassete horas, para logo nos embrenharmos na cidade antiga. Ait-Benhaddou é uma cidade fortificada, ou ksar, na antiga rota de caravanas entre o Saara e Marraquexe, e situa-se numa colina à beira do rio Quarzazate. A cidade é constituída por muralhas ou fortalezas, kasbahs, que fazem corpo com as casas, cuja razão histórica se relacionava com a necessidade de protecção contra os ataques dos nómadas. A maioria dos habitantes da cidade vive agora numa aldeia mais moderna, no outro lado do rio, onde se situa o hotel. Este ksar serviu de cenário para a maior parte dos filmes famosos já referidos.

Percorremos uma rua com comércio tradicional, nas imediações do hotel, que desce até ao rio. O nível de água era baixo e a passagem foi feita caminhando sobre sacos cheios de pedra, harmoniosamente distribuídos, mas quem desejasse podia arregaçar as calças e cruzar o rio a pé. Depois de pagar um bilhete de 10 dirhans por pessoa (1 euro), entrámos no velho povoado onde ainda habitam algumas famílias, que vivem basicamente do turismo. Os edifícios, alguns restaurados outros ainda em ruínas, são construídos com tijolos de barro, têm vários andares e as torres são invariavelmente decoradas com motivos geométricos. A construção é labiríntica, com caminhos ascendentes/descendentes e escadas por todos os lados, becos, zonas obscuras e divisões interiores, alguns estábulos, ainda com animais, e muitas varandas e terraços que servem de miradouros. Meia dúzia de casas estão transformadas em pequeníssimos espaços comerciais e de restauração, muito rudimentares. Em dois ou três locais há artistas a pintar e vender aguarelas de pigmentos naturais, nomeadamente, índigo para o azul, açafrão para o amarelo e chá com açúcar, que é queimado depois de pintado, passando uma chama por baixo do papel, para tomar a cor castanha.

Fomos subindo e explorando a cidade e, quando chegámos ao topo do monte, a paisagem desenrolava-se por 360 graus, deserto até ao horizonte, com relevo marcado por sucessivas elevações e, a ladear o rio e serpenteando com ele, duas margens verdejantes a descontinuar a cromática predominante. Apetecia ficar ali, num tempo perdido, a contemplar aquela obra-prima da natureza.

Tivemos a oportunidade de assistir a um apontamento musical, por parte de um grupo acompanhado por instrumentos tradicionais, e ao ritual de comemoração do nascimento de uma criança, de uma das famílias que teimam em não abandonar este pequeno tesouro. As mulheres da família, vindas de várias partes do país, encontravam-se reunidas numa sala de uma das casas habitadas, onde se apresentavam alguns doces tradicionais, e entoavam cânticos ao sabor da precursão. As mulheres do nosso grupo puderam participar nesta festividade, o que vem comprovar, uma vez mais, a simpática receptividade e hospitalidade do povo berbere.

De regresso ao hotel, ocupámos os nossos quartos. Mobiliário e portas estavam decorados com pintura artística, predominando o vermelho, que aparecia também no tecto. Ao jantar comemos sopa de legumes, omeleta com tomate e tajine de vaca, muito semelhante à nossa jardineira, em pequenas mesas redondas que nos davam pelo joelho.


6º dia, 7.Abril.2010, quarta-feira

Depois de um farto pequeno-almoço onde não faltaram o pão marroquino e os crepes, que se podiam acompanhar com manteiga, azeite, compotas ou mel, e o leite fresco, o bom café e o docinho sumo de laranja natural, sem esquecer as sempre presentes azeitonas bem temperadas, carregámos os jipes com a bagagem, os elementos da organização despediram-se dos anfitriões e partimos para Zagora, a sul, a cerca de trezentos quilómetros, mais do dobro dos quilómetros efectuados no dia anterior.

Em Taouz, terra natal do nosso simpático guia Ali, tivemos de inverter a marcha porque a estrada planeada estava cortada. Dirigimo-nos para as pistas do Rally Paris-Dakar, no sentido de Tagounite. Começámos com uma pista em terra batida quase plana e, muitos quilómetros depois, passámos para uma zona com muita areia e propensa a ficar-se atolado. Bastava parar a marcha em terreno que parecia mais consistente e os jipes afundavam, pelo que todos acabaram por se enterrar. O caos instalou-se, cada um a tentar emergir do vasto mar de areia, na maior desorganização de veículos e a uma temperatura superior a 40 graus. Foi urgente conjugar as energias de todos e ajudar a sair, um a um, cada jipe, cavando com as pás de emergência, recorrendo às calhas metálicas e empurrando, a começar pelos jipes que estavam no meio do caminho, e procurar uma pista alternativa entre as dunas, uma vez que, mais à frente, as condições eram ainda piores. Alguns jipes, dada a orientação em que se enterraram, contrária ao percurso alternativo, percorreram dezenas de metros em marcha à retaguarda, exigindo grande destreza na manobra.

O esforço deste episódio obrigou à ingestão de grande quantidade de água, para ninguém ficar desidratado. O curioso neste clima é que, apesar do forte calor, quase não se transpira porque o ar é muito seco e não nos sentimos tão incomodados como com as temperaturas mais quentes do nosso país, nada escorre pelo corpo e a roupa não cola.

A pista improvisada passou a incluir curtas zonas de areia, percorridas pelos jipes com mestria, e zonas com alguma pedra, onde parávamos para aguardar pela nossa vez de fazer o próximo troço de areia, com o caminho totalmente livre e em segurança.

Seguiu-se, durante dezenas de quilómetros, uma pista árida, bastante dura e plana, avistando-se alguns montes ao longe, ao longo da fronteira com a Argélia, continuando a rumar para sul. Alguns dromedários caminhavam livres e o cenário de deserto estava montado. Alinhámos os jipes para uma fotografia em cima de um lago salgado seco, onde o solo estava visivelmente branco e rachado. No meio de tanta adversidade, cruzámo-nos inesperadamente com atletas em plena maratona do deserto, com botas especiais até ao joelho, muitas garrafas de água ao redor da cintura, uns em marcha rápida ou caminhando apoiados em bastões, outros descansando à sombra de um dos poucos arbustos existentes.

No posto fronteiriço em Hi-Remlia comprámos pão e oferecemos algumas t-shirts e doces às crianças. Em menos de nada, um grupo de berberes montou um pequeno mercado de recordações só para nós e lá se gastaram alguns Dirhans ou DH, a moeda marroquina (um euro equivale a dez dirhans). À saída, atravessámos mais um problemático troço de areia. Os rodados deixados pelos da frente eram tão fundos que os jipes mais baixos roçavam na areia e ficavam presos. Alguns jipes foram protagonistas de saltos espectaculares ao galgar tufos de arbustos e pequenas dunas, com destaque para o leve Suzuki Jimny. O pó envolvente parecia pó talco, os pés desapareciam no chão e a nuvem inundava tudo à nossa volta.

Almoçamos mais à frente, cerca das dezasseis horas, quando foi possível encontrar uma das pouquíssimas árvores, em muitos quilómetros. Mesmo à sombra, estava muito calor e a temperatura neste dia chegou a atingir os 45 graus.

Entretanto, a pista programada desapareceu e foi necessário orientarmo-nos por GPS. Andámos várias dezenas de quilómetros, literalmente a abrir pista em terras africanas, entre muitas pedras e muito pó, contornando algumas elevações. Alguns recorreram ao compressor de serviço para encher os pneus que haviam sido aliviados nos percursos de areia. As magníficas imagens das caravanas de veículos todo-o-terreno, alinhados ou em formação, deixando um rasto de pó no ar, em terreno inóspito do deserto, estavam agora à frente dos nossos olhos. Era necessário avançar com prudência e manter uma distância considerável do carro da frente por causa do pó que ficava suspenso. A coluna estendeu-se como nunca, num efeito de harmónio, até se deixar de visionar o veículo imediatamente à frente. Como não havia pista, a certa altura os elementos da frente descolaram do fim da coluna, que ficou sem referências, e foram precisas orientações via rádio e sinais de luzes para o grupo se conseguir reunir de novo.

A noite parecia que chegava mais cedo e, em boa hora, encontrámos a pista pretendida. Sem qualquer luz exterior, a não ser as dos nossos faróis, apenas se viam as luzes vermelhas do carro da frente, as pedras a ladear-nos e as estrelas no céu. Um pneu traseiro rebentou no Patrol. A frente da coluna, que já havia chegado ao próximo posto fronteiriço, ficou por lá a aguardar e os dois últimos jipes, o Terrano e o Toyota, juntaram-se ao Patrol para ajudar o Antas Teles a mudar o pneu, mais precisamente o Romeu e o Marino, à luz de pequenas lanternas, com o auxílio de um macaco e tábuas. Aproveitou-se ainda para encher os pneus e evitar novo dissabor naquele piso tão empedrado. Para ajudar a esquecer este incidente, os militares do posto fronteiriço, pequeno casebre de adobe e dois ferros ligados por uma corrente a barrar a pista, no meio do nada, serviram-nos chá quente, num tabuleiro colocado no chão com um bule e três copos, na escuridão e silêncio do deserto, no meio do pó e das pedras da pista. Os desgraçados ali ficam durante três longos meses até serem revezados por outros e nós proporcionámos-lhes alguma animação naquele fim de dia, quebrando um pouco a monotonia em que sobrevivem.

Apanhámos a estrada de Tagounite para Zagora e ficámos no Hotel Kasbah Saharasky onde, depois de nos acomodarmos e do banho, acabámos de jantar já passava da meia-noite.

O cansaço começava a chegar ao sétimo dia, porventura o dia mais duro, os atribulados troços na areia, a imensidão e desertificação da paisagem, o pó que cobria tudo dentro e fora dos jipes, a agressividade da pedra na pista, a etapa que nunca mais terminava e, por fim, a escuridão total. Contudo, não esquecendo o dia marcante em que dormimos no Erg e andámos de dromedário, este deve ter sido o dia mais carismático da expedição.



5º dia, 6.Abril.2010, terça-feira

A alvorada foi às cinco horas da manhã para subir a grande duna e ver o nascer do sol. Só alguns subiram, dada a exigência da façanha, mesmo exaustos de uma noite mal dormida. A subida foi feita pela crista da duna e por etapas, para ser um pouco mais fácil. Os pés enterravam-se na areia e deslizávamos constantemente para baixo. O vento matinal era tão forte que quase nos fazia tombar para o outro lado da duna. A maior superfície do pé calçado permitia que não nos enterrássemos tanto, embora impedisse o agradável contacto directo com a areia. Sentados, a areia que deslizava à superfície com o vento entranhava-se por todo o corpo. Lá em cima a vista era empolgante, 360º de dunas e o nosso minúsculo acampamento lá em baixo. A neblina roubou-nos o ritual de ver nascer o esplendoroso sol africano, mas descer foi uma curta e viciante experiência, cheia de adrenalina, cinética e gravidade, quase apetecia voltar a subir de novo só para repetir os passos de gigante encosta abaixo.

Antes do pequeno-almoço na tenda berbere, pudemos assistir ao preparar dos dromedários, que passaram parte do tempo a ruminar, sentados sobre as patas. Bebemos café com leite de camelo e sumo de laranja e comemos pão com manteiga de camelo e compotas. Subimos para os dromedários e regressámos, enfrentando mais hora e meia de viagem pelas dunas, algo tortuosa para as costas de alguns e, particularmente, para a maioria dos homens...

Libertámos os jipes da nossa bagagem, que deixámos no Auberge du Sud, e partimos para os trilhos que contornam toda a extensão do Erg, apresentando-se este pela nossa direita. No Terrano foi necessário desmontar os faróis de longo alcance, completamente soltos pela trepidação. Estávamos em pleno Sahara, zonas de areia alternavam com zonas de pedra. A areia foi o palco de um interessante bailado levado a cabo por todos os jipes e o Discovery do Xarim foi o protagonista do primeiro “atascanço”.

Chegámos a Khamlía, localidade onde vive o Povo Blue ou Azul (nome com raízes no seu tom escuro de pele), originário do Mali, onde fomos recebidos com chá e amendoins e uma actuação de danças e cantares pelo grupo “Pigeons du Sable”, que envergava as tradicionais túnicas e turbantes brancos e utilizava instrumentos musicais artesanais. No final da apresentação fomos convidados a dançar com eles. Visitámos ainda a escola das crianças e estas apresentaram-nos o seu animal de estimação, preso por uma trela, a raposa do deserto (fennec), de focinho pontiagudo e pêlo muito macio, cor de caramelo, uma espécie protegida exclusiva da zona desértica norte-africana, de comercialização proibida.

Foi na associação deste povo que deixámos a primeira volumosa dádiva de bens, que incluía lápis, canetas, cadernos e roupa. Também demos alguns doces às crianças, mas logo aprendemos que as ofertas tinham de ser entregues aos adultos, porque as conseguiam distribuir de forma mais ordeira. Qualquer coisa que déssemos a estas crianças, daquelas coisas que já deixam as nossas entediadas, uma caneta, uma bola, um biscoito, era disputada com fulgor e traduzia-se numa invulgar felicidade para as crianças e num sentimento de missão cumprida para nós, colorindo um pouco a nossa alma.

No percurso para Rissani, estrada de alcatrão, o Defender do Alvarinhas teve um furo. Logo foram congregados esforços e rapidamente estávamos novamente em andamento. O grupo manteve-se sempre unido e solidário. O que quer que acontecesse com um elemento, afectava todos e a solução era encontrada na sinergia gerada.

Almoçámos na Maison Toureg, armazém com uma panóplia de produtos marroquinos, monopólio de uma única família berbere, uma espécie de pizza com três camadas, recheada de borrego, bem temperado com especiarias, e vegetais e acompanhada com chá preto. Fomos brindados com uma apresentação dos diversos tipos de tapetes marroquinos e respectiva história e uma visita aos armazéns. Comprámos algumas lembranças, mas os preços iniciais e, mesmo, os finais, não foram nada convidativos, especialmente os dos tapetes.

Atravessámos a cidade de Rissani e regressámos ao Auberge du Sud, onde tomámos o tão desejado banho passados dois dias. Alguns foram com os jipes para as dunas e, quando regressaram, não dispensaram uns mergulhos e muita palhaçada saudável na bem enquadrada piscina, já a noite havia caído.

O jantar foi agridoce, além de várias carnes, muitos vegetais, inclusive favas cozidas temperadas, e ameixas e figos. A conversa, como sempre, foi muito boa e a noite reparadora, numa cama grande e macia, num quarto fabuloso, a lembrar as “mil e uma noites”, com mobiliário portentoso em alvenaria.


Amanhecer no deserto


Uma simples bolacha


Actuação do Povo Azul (Blue)originário do Mali, Khamlia


Uma aula na École Mixte, Khamlia, onde foram deixados bens


Dormida no Auberge du Sud


Dunas do Erg Chebbi

4º dia, 5.Abril.2010, segunda-feira


Voltámos à última parte do percurso do dia anterior para ver as Gargantas do Dadès, porque quando por lá passámos era já noite cerrada. Não faltaram as fotografias aos hercúleos jipes e ao destemido grupo de aventureiros. A passagem do rio entre as colossais paredes escarpadas de pedra é tão estreita que só resta o espaço suficiente para o curso de água e uma estreita estrada. Parámos ainda no ponto mais alto da montanha para ver a estrada sinuosa descendente, o rio lá em baixo e, muito ao fundo, o hotel onde ficámos, encaixado na parte final da garganta.

Todos precisavam de pôr combustível e, nas bombas das localidades próximas, o gasóleo estava esgotado. Só o Susuki Jimny, a gasolina, ficou saciado. Depois da transferência de algum gasóleo para o Defender do Samuel, mantivemos a rota para o Erg Chebbi, a 310 quilómetros, na expectativa de que mais à frente todos poderíamos atestar, e assim foi, em Tinerhir. Fizemos um pequeno desvio no percurso para ver também as Gargantas do Todra. As obras na estrada e na edificação de equipamentos turísticos proliferavam, assim como as barraquinhas de vendas. Numa das gigantes paredes verticais destas gargantas, alguns corajosos faziam escalada. Na viagem para retomar a rota para o Erg, um jipe Toyota marroquino, em alta velocidade e numa condução completamente inconsciente, partiu o espelho retrovisor do Defender do Alvarinhas. O acesso às gargantas é estreito e é feito por uma tirinha de alcatrão, esfarelada nas bermas, que os marroquinos nunca abandonam, ladeada por uma parede de pedra e o rio ou por um precipício e construções.

Apanhámos a estrada para Ar-Rachidia, a cidade onde mora o nosso guia Ali, que abandonámos depois para atalhar por Erfoud, em direcção ao Erg Chebbi. Poucos montes, muitas planícies áridas e, de quando em quando, uma vasta zona de palmeiras e uma aldeia. A rodovia parecia uma recta sem fim. Parámos a meio caminho para almoçar, quando foi possível encontrar uma sumária sombra, desta vez sem nos acomodarmos devidamente para não falharmos as dezasseis horas, hora a que íamos ter a fantástica experiência de viajar de camelo. Não corria uma aragem e a temperatura elevava-se aos 34º.

Deixámos a estrada e atravessámos uma área totalmente deserta que nos fez tomar consciência que estávamos no mais mítico deserto do mundo, o Sahara. Para onde quer que se olhasse, até ao horizonte só vislumbrávamos planície deserta, pedras, areia e pó. A trepidação era tanta que faróis, antenas de rádio, grelhas de tejadilho, se iam soltando. Lá muito ao longe, começaram a desenhar-se algumas dunas e, depois de um troço com areia solta, finalmente chegámos ao Hotel Auberge du Sud, próximo de Merzouga, situado na orla do Erg Chebbi, grande área de deserto com as mais altas dunas de areia de todo o Sudoeste de África, formadas pelo vento.

Fomos recebidos na sala principal com o habitual chá quente e amendoins. Apenas tivemos tempo para preparar os sacos-cama, um agasalho, água, as máquinas fotográficas e lá fomos, cada um no seu dromedário (porque têm apenas uma bossa), organizados em grupos de cinco ou seis animais ligados por uma corda, cada grupo guiado por um berbere que caminhava à nossa frente.

Depois de uma hora e meia muito divertida, em que contámos apenas com a boa disposição de todos, no percurso de dromedário, essencialmente pela crista das dunas, mas incluindo algumas subidas e decidas, estas últimas mais turbulentas, chegámos ao acampamento berbere. As tendas encontravam-se no sopé de uma duna enorme e formavam um quadrado fechado com apenas uma entrada. O meio, parcialmente atapetado, era o local de convívio. Uma das tendas destinava-se às refeições. Jantámos sopa de cuscuz, tajine de frango, laranja e, sempre, muito chá quente.

Contámos histórias, ouvimos os testemunhos deliciosos do Ali, tocámos tambores, dançámos, cantámos, os berberes actuaram também para nós. Dormimos em tendas para seis, alguns ao relento, nos tapetes centrais, contemplando o céu estrelado e a noite amena e acolhedora. Perante uma aventura tão avassaladora, os cuidados com a higiene pessoal e o conforto civilizacional foram totalmente dispensados.


Atlas


Atlas - 3200m

Uma porta do Sahara

A caminho do Erg Chebbi

Dromedário

1º Dia - 02/04/2010 - Travessia do Estreito de Gibraltar


2º Dia - 03/04/2010 - Sítio Arqueológico de Volubilis


3º Dia - 04/04/2010 - Ifrane, a Suíça marroquina


3º Dia - 04/04/2010 - Floresta dos Cedros, Parque Nacional de Ifrane



3º Dia - 04/04/2010 - Atlas, lago a 2400m e pastores nómadas


3º Dia - 04/04/2010 - A vida difícil no Médio Atlas



3º Dia - 04/04/2010 - A imensidão do Atlas


3º dia, 4. Abril.2010, domingo de Páscoa

A alvorada foi mais cedo, seis horas e trinta da manhã, porque o dia ia ser longo, em marcha lenta, nas pistas de montanha, atravessando o Atlas. Estavam previstos 380 quilómetros e oito horas e meia de condução.

O Ali, que nos foi apresentado como um simples guia, surpreendeu todos pelo seu bom carácter e formação pessoal. Presença muito agradável, sempre disponível, culto e poliglota, gostava de falar português para ficar mais fluente na nossa língua. Ensinou-nos generalidades da história e cultura do seu país e nós partilhámos também com ele aspectos do nosso património pessoal e cultural. Informou, entre muitas coisas, que a parte esquerda do corpo, de acordo com o Alcorão, significa Satanás e só é utilizada em actividades menores. Foi necessário falar-lhe um pouco da dominância cerebral e de como é antinatural e contraproducente contrariar os esquerdinos, o que parece que os marroquinos desconhecem e, os que têm conhecimento, pouco podem fazer porque o livro sagrado do islamismo é lei para os muçulmanos.

Seguimos por Khénifra a caminho do Médio Atlas. A vista das montanhas do Atlas denuncia a imensidão do país. Continua o verde por todo o lado nos montes e vales e, agora, nos extensos planaltos, alguns albergando grandes lagoas a 1800 metros de altura.

À medida que rumamos para sul, a paisagem vai ficando mais agreste, com escarpas e desfiladeiros, muita pedra e poucas árvores e arbustos. A terra é mais árida e seca, mas no cume das montanhas ainda se vê neve e, nos vales, a água ziguezagueia no leito dos rios dando corpo a pequenos riachos.

As casas são cada vez mais pobres, quatro paredes de adobe, pedra e paus, as montanhas cada vez mais imponentes e desprovidas de vegetação. Continuamos a subir serpenteando, quase não se vêem vestígios humanos, nem sequer pastores nómadas. Parámos para a foto de toda a coluna, numa paisagem imponente, a cerca de 3200 metros.

No cume de uma montanha próximo de Imilchil, aos 2400 metros, surge um grande lago, Tislit. Entrámos numa picada, a paisagem é quase lunar, no meio do nada um casebre, mais à frente três crianças. Depois só nós, muito pó e muito vento. Parámos numa segunda lagoa, Iseli, e regressámos à primeira para almoçar, mais simpática por estar rodeada de algumas árvores. O vento que se fazia sentir, mesmo abrigados pelos jipes, apressou o almoço.

Atravessámos o Médio Atlas e sentimo-nos pequenos perante a vista fabulosa a lembrar o grande “Canyon” nos EUA, salvo as devidas proporções. Enquanto uns regalavam a vista e fotografavam o momento, outros aproveitavam para fazer uma caminhada pela estrada ou para tocar na neve que teimava em manter-se agarrada ao cume das montanhas. O insurrecto alentejano quis ter a experiência de correr àquela altura e naquele sítio inesperado e apanhámo-lo depois pelo caminho.

O alcatrão há muito ficara para trás, as aldeias, paupérrimas, quase não se descortinavam nas montanhas devido às suas construções muito simples, com pequenos orifícios a servir de janelas, e do mesmo material e cor envolventes, completamente integradas na paisagem. As crianças, ensinadas a pedir desde os primeiros anos de vida, erguiam as mãos, num misto de aceno e pedido para parar, atravessavam-se na estrada, faziam piruetas, corriam ao nosso lado, batiam nos jipes, para que lhes déssemos qualquer coisa. Não resistimos e ofertámos bolos, bolachas, amêndoas, bolas e bonés, em andamento. O pó estava por todo o lado e as formas quase não se distinguiam, a cor era sempre a mesma, terracota.

Nos vales, as aldeias surgiam próximo de cursos de água e de pequenos nichos de áreas de cultivo, quebrando a monotonia cromática.

No percurso descendente, a luz vermelha dos travões do Terrano acendeu-se, pelo que tivemos que descer as montanhas muito lentamente, com as redutoras, e fomos alcançados por outra coluna de jipes portugueses, de Oeiras, cerca de dez. Formámos então, durante alguns quilómetros, uma caravana majestosa. Veio mais tarde a concluir-se que o problema não era nos travões, mas apenas eléctrico.

O resto do caminho foi feito de noite, até Boumalne Dadès. Ficámos no Hotel Kashbad de la Vallé. Jantámos sopa de tomate e outros legumes, “tajine” de frango com legumes em açafrão, salada e bolinhos de baunilha. Depois fomos ao bar do hotel onde encontrámos turistas animados de várias partes do mundo, inclusive orientais, ouvir um grupo tocar os tambores tradicionais e beber chá verde com menta.

Os quartos eram muito agradáveis, ouviu-se o rio a correr toda a noite e, de manhã, pudemos observar, da espaçosa varanda de cada quarto, que estávamos num estreito vale, entalado entre montanhas de pedra, onde só cabia o longilíneo hotel, a estrada e o rio.

2010/05/21

Rádio África


2º dia, 3.Abril.2010, sábado

Partimos cerca das nove horas e trinta rumo a Azrou.

Passámos por Ksar el Kebir, Souk-el-Arba-du-Rharb, Sidi-Kasem.

A paisagem é semelhante, mas numa escala muito superior, às planícies ribatejanas, verdinhas, alguns cabeços pontuados de oliveiras e laranjeiras, mas a maioria desnudados, só verde, muito verde.

A pastar, algumas vacas e muitos rebanhos de ovelhas e cabras.

Os burros e mulas estão presentes em todo o quotidiano dos marroquinos, à falta de outro transporte e maquinaria são um recurso muito valioso.

As povoações são pobres e a maioria das construções inacabadas, à espera que as próximas gerações se instalem nos pisos superiores por construir.

Os autóctones vestem túnica comprida com capucho, a “gilaba”, os homens de branco, tons terra ou tons sóbrios, as mulheres de cores mais vivas, por vezes com estampados, e calçam “babuchas”, um sapato de pele de camelo que pode ser pisado no calcanhar e servir de chinelo.

Em Marrocos sente-se a discriminação das mulheres. Logo na fronteira, todas as diligências são tratadas, preferencialmente, com os homens do grupo. Raramente se dirigem às mulheres e, frequentemente, quando as mulheres os interpelam, respondem para o homem que está mais próximo. À mesa, só são servidas em primeiro lugar se o parceiro fizer questão e, quando as mulheres falam para os marroquinos, estes mantêm sempre uma distância confortável e costumam responder dirigindo o olhar para o homem mais próximo.

Quando encaramos as mulheres marroquinas, o gesto já está interiorizado, imediatamente baixam a cabeça e os olhos, por vezes tapando a cara com o véu solto pelo rosto, deixando apenas os olhos expostos. Algumas mulheres ostentam mesmo “burcas” mas, a maioria, apenas um véu na cabeça e a túnica até aos pés. As crianças, independentemente do género, na sua espontaneidade e pureza, interagem naturalmente, sorriem, acenam, cumprimentam com um bonjour ou um au revoir.

Em vez de carros cruzamo-nos com carroças puxadas por burros ou mulas, sempre apinhadas de gente e bagagem, fazendo lembrar Portugal há umas décadas, com a particularidade destas carroças terem rodas com pneus e molas, o que permite deslizar com todo aquele peso e fora da estrada. Vêem-se também muitos jovens de bicicleta e algumas motorizadas que ocupam a estrada de forma desorganizada.

Muitos terrenos permanecem alagados e os montes apresentam cicatrizes profundas da última intempérie, decerto responsável por todo o verde ecológico que testemunhamos a perder de vista.

Um jipe foi mandado parar por ter tirado uma fotografia num cruzamento citadino onde estava um polícia. Temos de ter cuidado com o que fotografamos e filmamos porque não é do agrado dos locais. Mesmo de longe, frequentemente acenam a informar que não concordam com os ditos registos. As meninas e as mulheres, assim que vêem uma máquina, imediatamente viram as costas ou tapam o rosto. A discrição e o bom senso têm de imperar.

O almoço volante foi num bonito olival e o sol escondeu-se para tornar o nosso repasto mais aprazível. A saborosa comida portuguesa saltou das caixas de mantimentos e esteve no seu melhor, queijos, chouriças, feijoada, grão-de-bico com mão de vaca, vinho, bolinhos caseiros, sempre acompanhada pelo apetitoso pão marroquino, muito semelhante, na forma, às pizzas e, para sobremesa, nunca faltaram as doces e sumarentas laranjas marroquinas compradas à beira da estrada.

Parámos para fotografar o Sítio Arqueológico de Volubilis, ruínas de uma cidade romana edificada pelo menos no século III, que foi reocupada no século VI pelos muçulmanos, e que jaz tranquilamente num mar de verde quase infinito. Foi declarada Património mundial da UNESCO em 1997.

Nesta zona de África os campos são férteis e organizados, os marroquinos trabalham árduamente a terra com a ajuda dos seus animais e um arado ou, simplesmente, com uma enxada e a força dos seus braços.

Como comunicávamos por rádio e walkie-talkie, a movimentação estava sempre afinada, um parava e toda a coluna suspendia a marcha. Fomos divididos em três grupos, cada um com três jipes, para facilitar o controlo, no meio os de menor cilindrada e, nas extremidades da coluna, os conhecedores do terreno e responsáveis pela expedição, a primeira posição para o Discovery do Rui e Ramiro, com a mais-valia do guia, l’ amie Ali, e a última para o Toyota do Romeu e Zé.

Em muitas localidades, nos cruzamentos e rotundas, e em alguns pontos das vias principais, aparecia uma parelha de polícias atentos, especialmente à velocidade. Depois de diversos troços com obras na estrada, maioritariamente, para pavimentação e construção de rotundas, chegámos ao Parque Natural de Ifrane, a cerca de 1700 metros de altura, com visibilidade turva pela neblina e dado o adiantado da hora, quase dezassete horas.

Atravessámos a cidade de Meknès que é surpreendente pela sua construção com os telhados muito inclinados, herdada dos seus fundadores franceses, para fazer face aos nevões de quase um metro de altura no Inverno. É espaçosa, muito organizada e amiga do ambiente, limpinha e repleta de jardins e árvores parecidas com choupos, ainda sem folhas, e muitos cedros.

A esta altitude, o frio, os cedros e a inspiração franco-suíça nas edificações, completam a inusitada paisagem alpina. Meknès é uma cidade abastada e multicultural, ostenta uma universidade construída pela Arábia Saudita, tida como uma das melhores de África, onde filhos de ministros e outros jovens economicamente favorecidos de diversos países africanos vêm formar-se, com propinas a ascender a mais de 2000 euros mensais.

Apenas espreitámos a Floresta dos Cedros porque a noite caía e conseguimos ver alguns macacos selvagens, mas ainda tivemos tempo para fazer um pequeno percurso fora de estrada e com direito a uma passagem encharcada por um riacho.

Chegámos ao Hotel Le Panorama às dezanove horas e trinta, em Azrou, degustámos um saboroso creme de legumes e “tajine”, o prato mais típico de Marrocos, de frango, vaca, borrego ou omoleta, à escolha de cada um, uma deliciosa tarte de maçã e… bom vinho vindo de Portugal!

Fizemos apenas 300 quilómetros, estavam previstas quatro horas de condução, mas passámos praticamente todo o dia dentro dos jipes, pela necessidade de não perdermos ninguém pelo caminho…


A minha cunhada Luísa Carvalho, aventureira destemida, participou na 1ª Expedição a Marrocos pelo núcleo TT dos Serviços Sociais da CGD que decorreu de 2 a 12 de Abril de 2010.

Passo assim a publicar as suas crónicas, devidamente autorizadas pela autora, e a sonhar com uma participação numa expedição similar.

1º dia, 2.Abril.2010, sexta-feira santa

Depois de termos conseguido acomodar tudo nos jipes, o que era preciso e o que não era preciso, dando prioridade aos haveres que cumpririam o grande objectivo humanitário da expedição e ao material e equipamentos de prevenção de qualquer eventualidade nas máquinas ou nas pessoas, partimos, após a reunião do grupo e a fotografia de "família", em Lisboa, frente à sede da CGD, eram sete horas da manhã.

Tinha início a 1º Expedição a Marrocos organizada pela Secção Todo-o-Terreno dos Serviços Sociais da CGD, nove jipes, vinte e quatro aventureiros, a saber: Land Rover Discovery, com o Rui Guarda e o Ramiro Gameiro Jorge, de Lisboa, Land Rover Defender, com o Fernando Alvarinhas e o mecânico de serviço, o Luís Henriques, de Penacova, Land Rover Discovery, com o Arnaldo Xarim e o filho Guilherme Xarim, de Santarém, Nissan Terrano I, com o casal Marino e Luísa Carvalho, de Rio Maior, Land Rover Defender, com o Samuel Araújo e o José Alberto Cerqueira, de Arcos de Valdevez, Susuki Samurai, com o Filipe Ribeiro e o Sérgio Carvalho, de Peniche, Mitsubishi Space Wagon, com o casal Carlos e Paula Leitão e os filhos Pedro e Tiago Leitão, de Lisboa, Nissan Patrol, com o casal Alfredo Antas Teles e Adozinda Pinto e os amigos Mariana Pires e António Pedro Ferreira, de Lisboa, e Toyota Land Cruiser, com o casal Romeu e Ana Joaquim e o casal José Alberto Pereira e Isabel Silva.

Um sol gordo e pálido assinalava a margem sul do Tejo e compunha uma sinfonia de cores em tons pastel, impregnando a travessia da Ponte Vasco da Gama de uma candura repousante e lívida. Lisboa ficava para trás, completamente desfigurada pela quase ausência de carros e pessoas nas ruas, e iniciámos o primeiro dia de viagem, 600 quilómetros até Tarifa.

Uma viagem sem imprevistos é como um livro sem histórias e, no nosso livro, a primeira história surge à laia de prefácio, tão prematura ocorreu. O Suzuki Samurai parou a poucos quilómetros de Beja, supostamente, com problemas na caixa de velocidades, e foi necessário tomar decisões. Parte da carga foi distribuída pelos outros jipes e os seus dois ocupantes, o Filipe e o Sérgio, recorreram à assistência em viagem e regressaram, de táxi, a Peniche, seu local de partida, onde dispunham de um segundo Suzuki, neste caso Jimny, para se juntarem novamente a nós, já em Marrocos. Afinal, um familiar trouxe o tal jipe suplente até Lisboa, abreviando a viagem destes resistentes.

A planície alentejana vestia verde intenso, estampado aqui e ali de amarelo ou lilás e, como acessório, apresentava um azul celestial, cada vez mais quente.

A coluna integrava então oito viaturas, mas logo passámos a nove, depois do último jipe da expedição, outro Suzuki Samurai, se juntar a nós, em Beja, com o Vitor Carneiro e a filha Cláudia Carneiro.

Entrámos em Espanha cerca das onze horas, por Rosal De La Frontera. A alentejana Matilde, o Samurai, começou com afrontamentos, pelo que tivemos que parar novamente a caminho de Sevilha, a primeira vez para a refrescar com água do Luso, outra vez para lavagem do depósito de água, todo besuntado de óleo e, depois de uma marcha lenta e agonizante para quem estava desejoso de viver a soberba experiência de atravessar o estreito de Gibraltar, assim como para os zelosos no cumprimento de horários, a derradeira paragem, a Matilde teve de ficar em Santiponce-Sevilha para tratamento ambulatório. Mais uma vez tivemos que redistribuir a carga pelos oito jipes restantes e, neste caso, também os seus dois ocupantes, o Vitor e a Cláudia.

Esta demora por terras da Andaluzia acabou por proporcionar a reunião do grupo ainda em Espanha, o Jimny que transportava o Filipe e o Sérgio alcançou-nos e estávamos novamente nove jipes e vinte e seis aventureiros a entrar no ferry-boat em Tarifa, depois de recolhidos os bilhetes em Los Barrios.

Chegámos ao porto de Tarifa cinco minutos antes da hora da partida, vinte e uma horas, mais uma hora que em Portugal, o ferry quase só para nós, imenso, o sol a esconder-se nas águas atlânticas deixando-nos mergulhados num envolvente cénico pelas luzes brilhantes e formas imperfeitas a diluírem-se na noite. A noite acabou por nos cegar e a contemplação do norte de África e da extremidade sul da Península Ibérica ficava agendada para a viagem de regresso. Contudo, o primeiro capítulo da nossa história ficou mais recheado e inesquecível!

A viagem marítima até Tanger foi muito tranquila e o desembarcar de pessoas e viaturas fluente, mas deparámo-nos depois com a demora habitual dos trâmites legais para entrar em Marrocos. O guia Adidou Ali, amigo do Rui de expedições anteriores há cerca de dez anos, juntou-se a nós, um marroquino berbere que se veio a revelar de excepcional valor humano.

Após 45 quilómetros chegámos ao Hotel Al-Khaima, em Asilah, às vinte e três horas locais, menos uma que em Portugal. O jantar incluiu azeitonas temperadas com azeite e pimentos como entrada, sopa marroquina, peixe frito e laranja com canela.

O cansaço e o sono obrigaram a uma retirada imediata para os quartos.

2010/04/15

TOCA LED ZEPPELIN
































Nos tempos mais activos, refiro-me aos anos de 1996 a 1998, era comum assistirmos a concertos de outras bandas quer estivessem elas no mesmo “cartaz” que os Icon Vadis quer outras com as quais sentíamos a devida afinidade merecedora de uma deslocação dedicada para assistirmos ao respectivo concerto em nome próprio.

Numa noite de boa memória no Rosa dos Ventos em Montemor-o-Velho, local de culto para nós, assisti juntamente com o Jorge Branco e com o Zé Tó Rodrigues à actuação dos Turbo Junkie, esta rapaziada liderada pelos irmãos Praça tinha lançado há bem pouco tempo um EP intitulado “Used” com um som cativante… tocavam um folk/rock inspirador com um trecho numa das canções do “Sympathy for the Devil” dos Stones.

Num dos momentos altos do concerto uma voz bem regada gritou várias vezes uma frase marcante que nos leva a repeti-la nos mais variados contextos até aos dias de hoje, “TOCA LED ZEPPELIN” gritava o jovem com a força do álcool como se o amanhã não existisse… “TOCA LED ZEPPELIN”… a banda ria mas não satisfez o pedido.

A frase com todo o seu nonsense associado, e especialmente por isso, teve imensa piada, a partir desse momento fosse qual fosse o género de concerto a que assistíssemos (jazz ou fado por exemplo) em jeito de piada aplicávamos o famoso “TOCA LED ZEPPELIN” e a noite estava ganha.

No passado Sábado, no nosso concerto no Karranka Bar na Curia, a ingenuidade de um ternurento pedido trouxe-me à memória a famosa frase…

Vocês tocam BON JOVI ?”

A minha nega devolveu-me nova pergunta…

e XUTOS & PONTAPÉS ?

Eu, em esforço para não sorrir exageradamente sonhava já com a derradeira pergunta “e LED ZEPPEPLIN ?”

A 3ª pergunta acabou por não sair e o jovem resignado terminou com um “pois… só tocam este estilo de música e assim… mas são muito bons

Ainda fui a tempo de dizer-lhe “Obrigado

A pergunta: "Por que é que tu és tão linda?" A resposta: "Puque chou filha do papá." Ora aqui está.

A vida é bela... e as torneiras também.