5º dia, 6.Abril.2010, terça-feira

A alvorada foi às cinco horas da manhã para subir a grande duna e ver o nascer do sol. Só alguns subiram, dada a exigência da façanha, mesmo exaustos de uma noite mal dormida. A subida foi feita pela crista da duna e por etapas, para ser um pouco mais fácil. Os pés enterravam-se na areia e deslizávamos constantemente para baixo. O vento matinal era tão forte que quase nos fazia tombar para o outro lado da duna. A maior superfície do pé calçado permitia que não nos enterrássemos tanto, embora impedisse o agradável contacto directo com a areia. Sentados, a areia que deslizava à superfície com o vento entranhava-se por todo o corpo. Lá em cima a vista era empolgante, 360º de dunas e o nosso minúsculo acampamento lá em baixo. A neblina roubou-nos o ritual de ver nascer o esplendoroso sol africano, mas descer foi uma curta e viciante experiência, cheia de adrenalina, cinética e gravidade, quase apetecia voltar a subir de novo só para repetir os passos de gigante encosta abaixo.

Antes do pequeno-almoço na tenda berbere, pudemos assistir ao preparar dos dromedários, que passaram parte do tempo a ruminar, sentados sobre as patas. Bebemos café com leite de camelo e sumo de laranja e comemos pão com manteiga de camelo e compotas. Subimos para os dromedários e regressámos, enfrentando mais hora e meia de viagem pelas dunas, algo tortuosa para as costas de alguns e, particularmente, para a maioria dos homens...

Libertámos os jipes da nossa bagagem, que deixámos no Auberge du Sud, e partimos para os trilhos que contornam toda a extensão do Erg, apresentando-se este pela nossa direita. No Terrano foi necessário desmontar os faróis de longo alcance, completamente soltos pela trepidação. Estávamos em pleno Sahara, zonas de areia alternavam com zonas de pedra. A areia foi o palco de um interessante bailado levado a cabo por todos os jipes e o Discovery do Xarim foi o protagonista do primeiro “atascanço”.

Chegámos a Khamlía, localidade onde vive o Povo Blue ou Azul (nome com raízes no seu tom escuro de pele), originário do Mali, onde fomos recebidos com chá e amendoins e uma actuação de danças e cantares pelo grupo “Pigeons du Sable”, que envergava as tradicionais túnicas e turbantes brancos e utilizava instrumentos musicais artesanais. No final da apresentação fomos convidados a dançar com eles. Visitámos ainda a escola das crianças e estas apresentaram-nos o seu animal de estimação, preso por uma trela, a raposa do deserto (fennec), de focinho pontiagudo e pêlo muito macio, cor de caramelo, uma espécie protegida exclusiva da zona desértica norte-africana, de comercialização proibida.

Foi na associação deste povo que deixámos a primeira volumosa dádiva de bens, que incluía lápis, canetas, cadernos e roupa. Também demos alguns doces às crianças, mas logo aprendemos que as ofertas tinham de ser entregues aos adultos, porque as conseguiam distribuir de forma mais ordeira. Qualquer coisa que déssemos a estas crianças, daquelas coisas que já deixam as nossas entediadas, uma caneta, uma bola, um biscoito, era disputada com fulgor e traduzia-se numa invulgar felicidade para as crianças e num sentimento de missão cumprida para nós, colorindo um pouco a nossa alma.

No percurso para Rissani, estrada de alcatrão, o Defender do Alvarinhas teve um furo. Logo foram congregados esforços e rapidamente estávamos novamente em andamento. O grupo manteve-se sempre unido e solidário. O que quer que acontecesse com um elemento, afectava todos e a solução era encontrada na sinergia gerada.

Almoçámos na Maison Toureg, armazém com uma panóplia de produtos marroquinos, monopólio de uma única família berbere, uma espécie de pizza com três camadas, recheada de borrego, bem temperado com especiarias, e vegetais e acompanhada com chá preto. Fomos brindados com uma apresentação dos diversos tipos de tapetes marroquinos e respectiva história e uma visita aos armazéns. Comprámos algumas lembranças, mas os preços iniciais e, mesmo, os finais, não foram nada convidativos, especialmente os dos tapetes.

Atravessámos a cidade de Rissani e regressámos ao Auberge du Sud, onde tomámos o tão desejado banho passados dois dias. Alguns foram com os jipes para as dunas e, quando regressaram, não dispensaram uns mergulhos e muita palhaçada saudável na bem enquadrada piscina, já a noite havia caído.

O jantar foi agridoce, além de várias carnes, muitos vegetais, inclusive favas cozidas temperadas, e ameixas e figos. A conversa, como sempre, foi muito boa e a noite reparadora, numa cama grande e macia, num quarto fabuloso, a lembrar as “mil e uma noites”, com mobiliário portentoso em alvenaria.


Amanhecer no deserto


Uma simples bolacha


Actuação do Povo Azul (Blue)originário do Mali, Khamlia


Uma aula na École Mixte, Khamlia, onde foram deixados bens


Dormida no Auberge du Sud

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