2º dia, 3.Abril.2010, sábado

Partimos cerca das nove horas e trinta rumo a Azrou.

Passámos por Ksar el Kebir, Souk-el-Arba-du-Rharb, Sidi-Kasem.

A paisagem é semelhante, mas numa escala muito superior, às planícies ribatejanas, verdinhas, alguns cabeços pontuados de oliveiras e laranjeiras, mas a maioria desnudados, só verde, muito verde.

A pastar, algumas vacas e muitos rebanhos de ovelhas e cabras.

Os burros e mulas estão presentes em todo o quotidiano dos marroquinos, à falta de outro transporte e maquinaria são um recurso muito valioso.

As povoações são pobres e a maioria das construções inacabadas, à espera que as próximas gerações se instalem nos pisos superiores por construir.

Os autóctones vestem túnica comprida com capucho, a “gilaba”, os homens de branco, tons terra ou tons sóbrios, as mulheres de cores mais vivas, por vezes com estampados, e calçam “babuchas”, um sapato de pele de camelo que pode ser pisado no calcanhar e servir de chinelo.

Em Marrocos sente-se a discriminação das mulheres. Logo na fronteira, todas as diligências são tratadas, preferencialmente, com os homens do grupo. Raramente se dirigem às mulheres e, frequentemente, quando as mulheres os interpelam, respondem para o homem que está mais próximo. À mesa, só são servidas em primeiro lugar se o parceiro fizer questão e, quando as mulheres falam para os marroquinos, estes mantêm sempre uma distância confortável e costumam responder dirigindo o olhar para o homem mais próximo.

Quando encaramos as mulheres marroquinas, o gesto já está interiorizado, imediatamente baixam a cabeça e os olhos, por vezes tapando a cara com o véu solto pelo rosto, deixando apenas os olhos expostos. Algumas mulheres ostentam mesmo “burcas” mas, a maioria, apenas um véu na cabeça e a túnica até aos pés. As crianças, independentemente do género, na sua espontaneidade e pureza, interagem naturalmente, sorriem, acenam, cumprimentam com um bonjour ou um au revoir.

Em vez de carros cruzamo-nos com carroças puxadas por burros ou mulas, sempre apinhadas de gente e bagagem, fazendo lembrar Portugal há umas décadas, com a particularidade destas carroças terem rodas com pneus e molas, o que permite deslizar com todo aquele peso e fora da estrada. Vêem-se também muitos jovens de bicicleta e algumas motorizadas que ocupam a estrada de forma desorganizada.

Muitos terrenos permanecem alagados e os montes apresentam cicatrizes profundas da última intempérie, decerto responsável por todo o verde ecológico que testemunhamos a perder de vista.

Um jipe foi mandado parar por ter tirado uma fotografia num cruzamento citadino onde estava um polícia. Temos de ter cuidado com o que fotografamos e filmamos porque não é do agrado dos locais. Mesmo de longe, frequentemente acenam a informar que não concordam com os ditos registos. As meninas e as mulheres, assim que vêem uma máquina, imediatamente viram as costas ou tapam o rosto. A discrição e o bom senso têm de imperar.

O almoço volante foi num bonito olival e o sol escondeu-se para tornar o nosso repasto mais aprazível. A saborosa comida portuguesa saltou das caixas de mantimentos e esteve no seu melhor, queijos, chouriças, feijoada, grão-de-bico com mão de vaca, vinho, bolinhos caseiros, sempre acompanhada pelo apetitoso pão marroquino, muito semelhante, na forma, às pizzas e, para sobremesa, nunca faltaram as doces e sumarentas laranjas marroquinas compradas à beira da estrada.

Parámos para fotografar o Sítio Arqueológico de Volubilis, ruínas de uma cidade romana edificada pelo menos no século III, que foi reocupada no século VI pelos muçulmanos, e que jaz tranquilamente num mar de verde quase infinito. Foi declarada Património mundial da UNESCO em 1997.

Nesta zona de África os campos são férteis e organizados, os marroquinos trabalham árduamente a terra com a ajuda dos seus animais e um arado ou, simplesmente, com uma enxada e a força dos seus braços.

Como comunicávamos por rádio e walkie-talkie, a movimentação estava sempre afinada, um parava e toda a coluna suspendia a marcha. Fomos divididos em três grupos, cada um com três jipes, para facilitar o controlo, no meio os de menor cilindrada e, nas extremidades da coluna, os conhecedores do terreno e responsáveis pela expedição, a primeira posição para o Discovery do Rui e Ramiro, com a mais-valia do guia, l’ amie Ali, e a última para o Toyota do Romeu e Zé.

Em muitas localidades, nos cruzamentos e rotundas, e em alguns pontos das vias principais, aparecia uma parelha de polícias atentos, especialmente à velocidade. Depois de diversos troços com obras na estrada, maioritariamente, para pavimentação e construção de rotundas, chegámos ao Parque Natural de Ifrane, a cerca de 1700 metros de altura, com visibilidade turva pela neblina e dado o adiantado da hora, quase dezassete horas.

Atravessámos a cidade de Meknès que é surpreendente pela sua construção com os telhados muito inclinados, herdada dos seus fundadores franceses, para fazer face aos nevões de quase um metro de altura no Inverno. É espaçosa, muito organizada e amiga do ambiente, limpinha e repleta de jardins e árvores parecidas com choupos, ainda sem folhas, e muitos cedros.

A esta altitude, o frio, os cedros e a inspiração franco-suíça nas edificações, completam a inusitada paisagem alpina. Meknès é uma cidade abastada e multicultural, ostenta uma universidade construída pela Arábia Saudita, tida como uma das melhores de África, onde filhos de ministros e outros jovens economicamente favorecidos de diversos países africanos vêm formar-se, com propinas a ascender a mais de 2000 euros mensais.

Apenas espreitámos a Floresta dos Cedros porque a noite caía e conseguimos ver alguns macacos selvagens, mas ainda tivemos tempo para fazer um pequeno percurso fora de estrada e com direito a uma passagem encharcada por um riacho.

Chegámos ao Hotel Le Panorama às dezanove horas e trinta, em Azrou, degustámos um saboroso creme de legumes e “tajine”, o prato mais típico de Marrocos, de frango, vaca, borrego ou omoleta, à escolha de cada um, uma deliciosa tarte de maçã e… bom vinho vindo de Portugal!

Fizemos apenas 300 quilómetros, estavam previstas quatro horas de condução, mas passámos praticamente todo o dia dentro dos jipes, pela necessidade de não perdermos ninguém pelo caminho…

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