6º dia, 7.Abril.2010, quarta-feira

Depois de um farto pequeno-almoço onde não faltaram o pão marroquino e os crepes, que se podiam acompanhar com manteiga, azeite, compotas ou mel, e o leite fresco, o bom café e o docinho sumo de laranja natural, sem esquecer as sempre presentes azeitonas bem temperadas, carregámos os jipes com a bagagem, os elementos da organização despediram-se dos anfitriões e partimos para Zagora, a sul, a cerca de trezentos quilómetros, mais do dobro dos quilómetros efectuados no dia anterior.

Em Taouz, terra natal do nosso simpático guia Ali, tivemos de inverter a marcha porque a estrada planeada estava cortada. Dirigimo-nos para as pistas do Rally Paris-Dakar, no sentido de Tagounite. Começámos com uma pista em terra batida quase plana e, muitos quilómetros depois, passámos para uma zona com muita areia e propensa a ficar-se atolado. Bastava parar a marcha em terreno que parecia mais consistente e os jipes afundavam, pelo que todos acabaram por se enterrar. O caos instalou-se, cada um a tentar emergir do vasto mar de areia, na maior desorganização de veículos e a uma temperatura superior a 40 graus. Foi urgente conjugar as energias de todos e ajudar a sair, um a um, cada jipe, cavando com as pás de emergência, recorrendo às calhas metálicas e empurrando, a começar pelos jipes que estavam no meio do caminho, e procurar uma pista alternativa entre as dunas, uma vez que, mais à frente, as condições eram ainda piores. Alguns jipes, dada a orientação em que se enterraram, contrária ao percurso alternativo, percorreram dezenas de metros em marcha à retaguarda, exigindo grande destreza na manobra.

O esforço deste episódio obrigou à ingestão de grande quantidade de água, para ninguém ficar desidratado. O curioso neste clima é que, apesar do forte calor, quase não se transpira porque o ar é muito seco e não nos sentimos tão incomodados como com as temperaturas mais quentes do nosso país, nada escorre pelo corpo e a roupa não cola.

A pista improvisada passou a incluir curtas zonas de areia, percorridas pelos jipes com mestria, e zonas com alguma pedra, onde parávamos para aguardar pela nossa vez de fazer o próximo troço de areia, com o caminho totalmente livre e em segurança.

Seguiu-se, durante dezenas de quilómetros, uma pista árida, bastante dura e plana, avistando-se alguns montes ao longe, ao longo da fronteira com a Argélia, continuando a rumar para sul. Alguns dromedários caminhavam livres e o cenário de deserto estava montado. Alinhámos os jipes para uma fotografia em cima de um lago salgado seco, onde o solo estava visivelmente branco e rachado. No meio de tanta adversidade, cruzámo-nos inesperadamente com atletas em plena maratona do deserto, com botas especiais até ao joelho, muitas garrafas de água ao redor da cintura, uns em marcha rápida ou caminhando apoiados em bastões, outros descansando à sombra de um dos poucos arbustos existentes.

No posto fronteiriço em Hi-Remlia comprámos pão e oferecemos algumas t-shirts e doces às crianças. Em menos de nada, um grupo de berberes montou um pequeno mercado de recordações só para nós e lá se gastaram alguns Dirhans ou DH, a moeda marroquina (um euro equivale a dez dirhans). À saída, atravessámos mais um problemático troço de areia. Os rodados deixados pelos da frente eram tão fundos que os jipes mais baixos roçavam na areia e ficavam presos. Alguns jipes foram protagonistas de saltos espectaculares ao galgar tufos de arbustos e pequenas dunas, com destaque para o leve Suzuki Jimny. O pó envolvente parecia pó talco, os pés desapareciam no chão e a nuvem inundava tudo à nossa volta.

Almoçamos mais à frente, cerca das dezasseis horas, quando foi possível encontrar uma das pouquíssimas árvores, em muitos quilómetros. Mesmo à sombra, estava muito calor e a temperatura neste dia chegou a atingir os 45 graus.

Entretanto, a pista programada desapareceu e foi necessário orientarmo-nos por GPS. Andámos várias dezenas de quilómetros, literalmente a abrir pista em terras africanas, entre muitas pedras e muito pó, contornando algumas elevações. Alguns recorreram ao compressor de serviço para encher os pneus que haviam sido aliviados nos percursos de areia. As magníficas imagens das caravanas de veículos todo-o-terreno, alinhados ou em formação, deixando um rasto de pó no ar, em terreno inóspito do deserto, estavam agora à frente dos nossos olhos. Era necessário avançar com prudência e manter uma distância considerável do carro da frente por causa do pó que ficava suspenso. A coluna estendeu-se como nunca, num efeito de harmónio, até se deixar de visionar o veículo imediatamente à frente. Como não havia pista, a certa altura os elementos da frente descolaram do fim da coluna, que ficou sem referências, e foram precisas orientações via rádio e sinais de luzes para o grupo se conseguir reunir de novo.

A noite parecia que chegava mais cedo e, em boa hora, encontrámos a pista pretendida. Sem qualquer luz exterior, a não ser as dos nossos faróis, apenas se viam as luzes vermelhas do carro da frente, as pedras a ladear-nos e as estrelas no céu. Um pneu traseiro rebentou no Patrol. A frente da coluna, que já havia chegado ao próximo posto fronteiriço, ficou por lá a aguardar e os dois últimos jipes, o Terrano e o Toyota, juntaram-se ao Patrol para ajudar o Antas Teles a mudar o pneu, mais precisamente o Romeu e o Marino, à luz de pequenas lanternas, com o auxílio de um macaco e tábuas. Aproveitou-se ainda para encher os pneus e evitar novo dissabor naquele piso tão empedrado. Para ajudar a esquecer este incidente, os militares do posto fronteiriço, pequeno casebre de adobe e dois ferros ligados por uma corrente a barrar a pista, no meio do nada, serviram-nos chá quente, num tabuleiro colocado no chão com um bule e três copos, na escuridão e silêncio do deserto, no meio do pó e das pedras da pista. Os desgraçados ali ficam durante três longos meses até serem revezados por outros e nós proporcionámos-lhes alguma animação naquele fim de dia, quebrando um pouco a monotonia em que sobrevivem.

Apanhámos a estrada de Tagounite para Zagora e ficámos no Hotel Kasbah Saharasky onde, depois de nos acomodarmos e do banho, acabámos de jantar já passava da meia-noite.

O cansaço começava a chegar ao sétimo dia, porventura o dia mais duro, os atribulados troços na areia, a imensidão e desertificação da paisagem, o pó que cobria tudo dentro e fora dos jipes, a agressividade da pedra na pista, a etapa que nunca mais terminava e, por fim, a escuridão total. Contudo, não esquecendo o dia marcante em que dormimos no Erg e andámos de dromedário, este deve ter sido o dia mais carismático da expedição.


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